Entre o Machismo e a Superação: Mulheres Lideram 60% dos Condomínios do DF e Enfrentam Preconceito e Falta de Reconhecimento
Por Mariana Saraiva
Mesmo encarando situações de machismo, descrença sobre a capacitação profissional e tentativas de subestimá-las, as mulheres já gerem 60% dos condomínios no DF, segundo o sindicato da categoria. O Correio escutou de várias gestoras como é seu cotidiano à frente de condomínios
Kênia administra quatro condomínios e trabalha para resolver situações de conflito e evitar surgirem campos de batalha - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
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As mulheres enfrentam diversos desafios quando conquistam cargos de liderança. Elas têm espírito destemido e coragem de sobra para encarar as adversidades. Essas opiniões são de síndicas de condomínios ouvidas pelo Correio. Segundo elas, apesar de todas as dificuldades que enfrentam, muitas vezes seu trabalho fica sem ser reconhecido pelos donos e ocupantes de imóveis dos locais que gerem, buscando proporcionar resultados que beneficiem às comunidades com que lidam diariamente.
Presidente da Assosindicos DF Emerson Tormann considera um ambiente de desafios e também de conquistas para as mulheres síndicas |
O presidente da Associação dos Síndicos do Distrito Federal (Assosíndicos-DF), Emerson Tormann, diz que entre os cerca de 16 mil condomínios do DF, calcula-se que 60% das gestões sejam feitas por mulheres. "Elas conquistaram esse espaço por conta do cuidado que têm nos detalhes. Na maioria dos casos, também são mais pacientes e eficientes na gestão de conflitos, além de trazerem humanização para os condomínios", avalia.
A colorista Ana Shida, 44 anos, há dois anos assumiu a administração de um condomínio localizado na Ponte Alta Norte do Gama. De acordo com ela, a realidade para uma mulher nesse tipo de trabalho, muitas vezes não é fácil. "Muitas pessoas não querem ser síndicas porque falam que não têm tempo e que dá muito trabalho. Mas eu aceitei, mesmo não ganhando nada por isso", conta.
Entre as questões diárias que enfrenta, relata que muitos homens buscam intimidá-la. "Muitas vezes, tentaram me ameaçar, mas sempre fiz um trabalho certo, limpo e honesto, e não abaixo a cabeça", afirma ela, que, além de síndica, é mãe de três filhos. "Sempre preciso lidar com o preconceito e situações chatas, da pessoa querer te vencer no grito. Mas isso nunca me abalou. Lugar de mulher é onde ela quiser, e deve ser respeitada", defende.
Para a gestora condominial, uma mulher com participação ativa na sociedade acaba sobrecarregada e tem de lidar com preconceito. "Procuro lidar (com o acúmulo de responsabilidades) da melhor maneira. O machismo está longe de acabar — sob meu ponto de vista — e passo por ele sempre. Pessoas tentam se sobrepor a minhas falas, querendo ditar as regras e anular coisas que estava fazendo, mas tento cortar isso pela raiz. Muitas vezes, temos de ser duras para que as pessoas te respeitem", relata. Ana aconselha às mulheres síndicas que sejam atuantes e não tenham medo. "Não se escondam e não tenham medo de falar", ensina.
Kênia administra quatro condomínios e trabalha para resolver situações de conflito e evitar surgirem campos de batalha - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press) |
Kênia Ribeiro, 47, é síndica de quatro condomínios em Águas Claras, cargo que ocupa há sete anos. Para ela, o machismo ainda existe, e de forma velada. "Principalmente por parte de prestadores de serviço e de alguns condôminos. Você fala, propõe (ideias), apresenta (soluções) e eles não acreditam que você tenha conhecimento ou capacidade", afirma. "O assédio moral também é diário, mas esse ocorre também por parte das mulheres", lamenta.
Para Kênia, muitas pessoas ainda acham que as mulheres devem acatar tudo. Para dar conta dos percalços, ela sugere a outras síndicas: "Imponham-se, desde que tenham conhecimento do que vocês estão falando. Se necessário, estudem e pesquisem mais. Caso se sintam intimidadas, chamem mais alguém para estar (como testemunha) no diálogo ou conversem em uma área comum ou em um local que existam câmeras. Exijam respeito e não tenham medo de denunciar, caso ocorra algo fora excepcional. Eles (os homens) acham que falar alto nos amedronta", detalha a síndica.
Compensações
Mas, apesar das adversidades, saber que, com seu trabalho, cuida de pessoas e que valoriza o patrimônio delas, compensa os dissabores. "Eu faço com que a casa dessas pessoas seja um lugar mais seguro e agradável. Nós, como síndicos, temos a obrigação de tornar a comunidade mais amigável e não um campo de batalha", propõe.
Míriam Teresa Cabral, 51, está há dois anos e quatro meses como síndica em um condomínio na Asa Sul. Ela relata que, por ser mulher, há quem pense que ela não entende o que se passa e deve ser feito no local que gere. "Eu sou bem curiosa e, além de perguntar e acompanhar o serviço, quero tudo bem detalhado. Então, acabo aprendendo e me antecipando a problemas", diz.
Para ela, a maior exigência em sua gestão é harmonizar o dia a dia particular com o do trabalho. "Tenho conseguido contornar e resolver (diversas situações) para atender tanto a minha agenda pessoal quanto a profissional", disse. Sobre o machismo, Míriam observa: "Quando percebo que podem querer me enrolar, falo abertamente que, se não entendo, aprendo. E que não é por ser mulher que eu não posso resolver (entraves). Já dispensei prestador de serviço que ficava enrolando a solução de casos bem simples".
Entre os feitos de que se orgulha em sua gestão, relata a modernização da parte elétrica e a instalação da energia fotovoltaica. "Além de fazer um controle orçamentário (planejado), (essas ações) contribuem para ter as contas em dia, e com transparência", acrescenta.
A servidora pública Michelle Najara, 42, é síndica desde 2022 de um condomínio no Sudoeste. Ela conta que assumiu a função por afinidade. "Já residia há um tempo no prédio, conhecia as principais necessidades. É um edifício antigo, e precisávamos nos organizar para fazer a reforma do pilotis", lembra.
Referindo-se à quantidade de apartamentos no local que administra, acredita que uma das principais dificuldades é coordenar 48 vontades diferentes. "Mas, quando assumi, a necessidade de uma reforma era preponderante. Portanto, encarei o desafio", revela Michelle. A servidora diz que nunca passou por situações de constrangimento por ser mulher atuando como síndica, "mas acredito que isso deve acontecer em outros condomínios liderados por mulheres", diz.