Número refere-se somente a 2019. Um dos papéis dos síndicos é criar alternativas para resolver o problema. Conciliação é o melhor caminho
Adquirir um apartamento não se torna o gasto final quando o assunto é moradia. Além das contas individuais de água e luz, o proprietário não pode se esquecer de que existe uma taxa a ser paga mensalmente e que custeia toda a manutenção do condomínio. Apesar de essencial para manter o prédio, muitas pessoas deixam a tarifa de lado. A situação levou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) a registrar cerca de 9 mil movimentações processuais com relação a dívidas condominiais só em 2019.
O analista de sistemas Alberto Yano (foto em destaque), 42, é síndico de dois condomínios em Águas Claras e sofre com problema da falta de pagamento. Embora as duas unidades residenciais sejam bem diferentes entre si – um prédio está localizado dentro de um complexo residencial maior, com outros síndicos, e o outro é composto por quitinetes –, ele enfrenta o problema da inadimplência nos dois, com taxas médias de atraso de 12%, em um deles, e de 8% no outro.
No prédio maior, onde mora, Yano conta que existe uma dívida desde 2010. Devido à falta de pagamento, a quitação de todos os compromissos fica deficitária. “Dá para pagar as dívidas, mas acaba faltando para manutenção e algumas outras coisas”, lamenta.
Para tentar resolver a situação, ele diz que sempre conversa com os devedores, no intuito de chegar a algum acordo. “Eles acabam pedindo para dividir em valores menores. Aí passam a pagar a parcela do valor devido juntamente à cobrança normal de todo mês”, explica.
Reformulação
A aposentada Rose Ramos, 57, é síndica há três anos do prédio em que mora, na Asa Norte, e foi responsável por diminuir a taxa de inadimplência do condomínio, que era de quase 20%, para 4%. “Quando entrei, foi muito difícil. Precisamos aumentar a taxa em 100%, pois havia tributos sem pagar e terceirizados sem receber há dois meses”, lembra.
Como ninguém mais queria pagar pela dívida de outros, Rose iniciou uma reformulação em que deu um prazo para a quitação dos débitos. Ela conta que não precisou entrar na Justiça contra ninguém. “Iniciei um modelo de transparência e me mostrei sempre à disposição. A partir do momento em que o morador se conscientiza de que o condomínio é um bem dele, isso modifica o cenário”, analisa.
Apesar de não sofrer tanto atualmente, ela lembra que o condomínio precisou ir à Justiça para pedir o pagamento de uma dívida de R$ 35 mil. “O apartamento tinha ficado como herança, e um dos filhos ficou morando sem pagar as taxas”, conta.
Quando o outro filho ficou sabendo da enorme dívida, disse que pagaria metade para ajudar, mas nem assim o devedor conseguiu quitar o débito. “O que deveria ser um pagamento de R$ 17,5 mil, depois de quase cinco anos nos tribunais, virou R$ 40 mil. Só terminou no dia em que ele arranjou o dinheiro e pagou de uma vez. Não esperou a Justiça mandar”, explica.
Justiça do DF acumula 9 mil processos de dívidas de condomínios
Já a advogada e síndica profissional Maria Katya Figueiredo, 47, consegue ir na contramão da inadimplência. Comandando quatro condomínios entre a Asa Sul e o Sudoeste, ela diz que adotou medidas criativas a fim de estimular os moradores a pagar em dia. “Nos prédios em que administro foram implantados, com o aval de cada assembleia, desconto para quem quita antecipadamente e taxa acumulada no boleto de quem atrasa”, conta.
Segundo ela, essas ações não só fizeram o número de devedores cair: mais pessoas passaram a antecipar os boletos. “O desconto varia de 10% a 15%. É um jeito de bonificar quem salda a dívida em dia. Já o acúmulo em um único boleto assusta. Se não for desse jeito, a pessoa pode se esquecer da dívida”, afirma.
Outro método de estimular as pessoas a pagarem, diz Maria Katya, é o próprio síndico ser atuante e mostrar aos condôminos que a quitação das taxas é importante para manter o prédio. “Sempre que tenho oportunidade, eu mostro as realizações. É necessário expor a importância que a manutenção tem no prédio, por exemplo”, explica a administradora do condomínio.
Dívida afeta o básico
Para Emerson Tormann, presidente da Associação dos Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Distrito Federal (Assosindicos-DF), o principal problema da dívida condominial é a falta de manutenção do prédio. “Se os moradores não pagam, não tem como manter administradora, assessoria jurídica, engenheiro… Quanto maior o passivo, pior. Pode chegar a acontecer até o que ocorreu em Fortaleza, com o desabamento”, alerta.
Ele afirma que faz visitas periódicas a vários condomínios no Distrito Federal, todos os meses, e sempre vê algum problema nesse sentido. “Há lugares que não conseguem pagar nem o seguro, que é obrigação na lei. Mas vão pagar com que dinheiro? Essa coisa vai se estendendo, os adimplentes pagam pelos inadimplentes. Quanto mais tempo demorar para resolver, pior”, lamenta.
Tormann também chama a atenção para o fato de que esse é um transtorno enfrentado por síndicos em todas as cidades do Distrito Federal. “Não é só em condomínio de classe baixa. Águas Claras, Noroeste, Sudoeste… Uma reforma de fachada naqueles prédios pode chegar a R$ 2 milhões. Agora, imagina um prédio com baixo número de unidades, como os do Sudoeste, e com atrasos. Sai R$ 100 mil para cada um”, especula.
No intuito de evitar esses problemas, o presidente da Assosindicos-DF diz que o encarregado pela administração condominial precisa fazer um trabalho de conscientização. Ele ressalta que muitas pessoas deixam de pagar por causa de algum problema financeiro. “Tem que ter um bom relacionamento com os moradores. E sempre, antes de entrar na Justiça, tentar um acordo. Até porque quanto mais tempo demorar para pagar, pior – não só para o condomínio, mas para o morador também.”
Conciliar: a melhor saída
Pensando no problema que é a dívida condominial, o TJDFT lançou, no início de novembro, uma cartilha intitulada Meu Condomínio Legal. O objetivo é esclarecer os direitos e os deveres de moradores e síndicos, evitando casos observados em condomínios de programas sociais.
“Havia pessoas, principalmente em lugares de programas habitacionais, que não pagavam por falta de informação. Nunca moraram em um apartamento e estão vivendo a experiência pela primeira vez”, explica a juíza Luciana Sorrentino, coordenadora do Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação (Nupemec) do tribunal.
A cartilha também destaca o Canal Conciliar da corte. Por meio dele é possível tentar um entendimento nos casos de dívidas. O atendimento é gratuito e não é obrigatória a presença de advogado.
“Às vezes, uma das partes se sente mais frágil, principalmente o devedor, e ir até o TJ é uma forma mais fácil de se resolver. Na conciliação, a gente não impõe nada. É a pessoa que mede as próprias possibilidades e fala como pode conseguir quitar o débito”, relata a juíza.
Esta é uma maneira que Sorrentino diz ser mais rápida: em média, a marcação do encontro é feita para 45 dias depois do contato. “A média no Brasil para esse tipo de caso, quando vai à Justiça, é de sete anos. Tem sentença, recurso, penhora… Por isso, é melhor negociar direto. Quando sai a decisão do juiz, por exemplo, o pagamento precisa ser feito de uma vez”, avisa.
Quando o magistrado determina a quitação do débito, caso o condômino não tenha dinheiro, são buscados carros ou outros bens para acabar com a dívida. Até mesmo um leilão do apartamento não fica descartado.
Na mesma linha de Tormann, a coordenadora do Nupemec diz que o síndico tem papel fundamental no combate à inadimplência. “Tem que cumprir o papel de fiscal. Tem gente que quer ser o administrador só para não pagar a taxa, mas é muito mais que isso. O síndico precisa ser atuante”, completa.
» Saiba mais: TJDFT, MPDFT e DPDF lançam cartilha sobre deveres e direitos condominiais
Fonte
Rafaela Felicciano/Metropoles
RAFAELA FELICCIANO/METROPOLES
MATHEUS GARZON
matheus.garzon@metropoles.com
17/11/2019 12:09,
ATUALIZADO 17/11/2019 12:16